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ÍNDICE DE TEXTOS *ed.

PROBLEMAS SEXUAIS *ed.

E-BOOK :  CAMINHOS PARA A PAZ SEXUAL

BREVE

O segundo capítulo deste livro chama-se A Dura Escola da Vida. Aborda os desafios de formação da indivi- dualidade na cultura ocidental, e os impactos que a interação social tem no desenvolvimento sexual-afetivo

OBS: Este texto foi atualizado em 25.11.2006, modificado pelo acréscimo de novas observações sobre a topologia mental de Freud, e um parágrafo com as ideías de Kurt Goldstein, sobre a sublimação não repressiva da libido.

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zaciogeribello@yahoo.com.br 

 

CAPÍTULO 1:

Caminhos para a Paz Sexual

Zacio Geribello
(Luiz Horacio de Almeida Geribello)

 1     Uma visão alternativa para a Sexualidade

 2     As visões de Freud sobre a libido

 3     A modificação da libido "natural" pelo aprendizado do ser

 4     A humanização ou "objetificação" afetiva da sexualidade

 5     O despertar psicológico dos recém-nascidos

 6     O início do êxtase amoroso

 7     Como se poderia orientar as crianças e os jovens, ou colaborar com eles?

 8     O prazer humano tem base principalmente afetiva, sem prescindir do prazer sensorial

 9     A desumanização da sexualidade (alienação afetiva-sexual)

10    O retorno ao debate

 

1. Uma visão alternativa para a Sexualidade

A sexualidade é sempre um assunto controverso em todas as épocas, pois se constitui no encontro de várias fronteiras do ser. Para este desaguadouro concorrem as vias biológicas, psicológicas, políticas, econômicas, históricas, emocionais, afetivas, individuais e coletivas, citando apenas as principais. É como um sistema de cachoeiras tripartidas, em que se divisam o país sensorial, o país emocional e o país intelectual. Como Iguaçu. Ou como Niagara, ao mesmo tempo discerne e reúne dois países, a sexualidade e o amor. É sintomático que o turismo em Niagara Falls tenha sido tradicionalmente dedicado às viagens de lua-de-mel do American Dream, mas a realidade histórica parece ter "empurrado" o ideal para a força das cachoeiras, produzindo grande angústia, desencontros e equívocos na formação e na vida amorosa das cidadãs e cidadãos contemporâneos. Esta é mais uma das áreas básicas conflagradas da vida humana, e que anseia reconquistar a paz.

Talvez por ser semelhante a essas incontroláveis torrentes de água, o fato é que pouco se sabe até hoje sobre os fenômenos psíquicos e sociais integrados ao sexo. Mesmo as pesquisas mais avançadas e mais abrangentes, não conseguiram ainda consolidar toda a produção de conhecimentos ou de abordagens desse tema. Na sexualidade o ser humano torna-se o "Senhor das Águas" ou a "Rainha das Águas", e devem domar a "fera", as emoções e instintos capazes de abastecer toda a população com sua energia renovável e praticamente inesgotável, várias vezes mais potente que "Itaipu".

Isto porque a sexualidade humana ainda está amarrada ao corpo, com isto querendo dizer que, embora ela seja a grande fonte da vida corporal, a psychê (a mente humana)  ainda a está mantendo presa ao corpo, sem que ela possa "voar" e alcançar outras dimensões, natural e espontaneamente. Qual é a tese? É a de que a sexualidade humana naturalmente se transforma em afeto. Ela espontaneamente busca o "Amor". Ela também quer amar e ser amada, como qualquer "parte" do "Todo" humano. E desenvolve linguagens para tanto.

Segundo essa perspectiva, a sexualidade não seria "forçada" a ser sublimada, mas "deseja" ser sublimada. Ela quer se expressar em um plano superior, como uma artista sonha ter o seu grande desempenho, representando um papel de protagonista em um texto clássico. Não quer ser relegada à categoria de "força irracional", destinada "simplesmente" à função reprodutiva. Isto é o que diferencia e "complica" a sexualidade humana. Seria melhor dizer "enriquece" e "dignifica" a sexualidade nos humanos. Mas ao que corresponderia isso, na vida cotidiana?

2. As visões de Freud sobre a libido

Sigmund Freud foi quem provavelmente chegou mais perto de compreender a sexualidade humana como força humanizada, que se deseja expressar de uma forma culturalmente aceita e elaborada, e para obter êxito precisa fazer um esforço de natureza sensorial, emocional e intelectual, a fim de fazer fluir essa poderosa corrente da vida, através dos canais de expressão da vida social, isto é, vivenciar as forças elementares da vida, mas através de um código de valores adequado, de um sistema de valores e de sentidos culturais, que dêem significado humano à sexualidade. Ninguém antes dele havia organizado as informações e o conhecimento sobre a energia sexual como energia vital, e estudado tão a fundo a manifestação da libido na formação da personalidade.

Essa compreensão choca-se, entretanto, com a visão funcionalista do próprio Freud, de uma regulagem quase "mecânica" das forças psicológicas, geradas pela satisfação ou repressão da libido. Mas a questão é que, além de propor esse sistema bastante questionável, embora revolucionário em sua época, e pioneiro para a Psicologia, Freud trabalhou muito o drama concreto das pessoas. É preciso lembrar que ele foi tanto clínico quanto teórico. E sua visão clínica, de ter conseguido fazer com que tantas pessoas superassem as suas neuroses, envolveu uma ampla compreensão dos contextos sociais, e da complexidade das relações individuais e coletivas, dentro de cada cultura. Pode-se dizer, então, que na prática psicanalítica Freud aperfeiçoou e superou a sua própria teoria, embora não tenha proposto um novo modelo teórico, que fosse radicalmente diferente do original.

Mesmo não tendo enunciado sistematicamente outras teorias que cuidassem dessa percepção, ele precisava agir de modo mais amplo e mais flexível, como estratégia para cuidar de seus pacientes, na experiência clínica. Esse conhecimento quase intuitivo em Freud faz parte das observações que ele fez sobre os fenômenos de "transferência", mas principalmente compuseram os estudos preliminares e não concluídos que fez sobre os fenômenos da "resistência". Quando ele dizia que era preciso dar "tempo" aos pacientes, que não era possível "apressar" as curas, pois estes embora compreendessem intelectualmente seus conflitos, ainda não tinham conseguido reintegrar esse pensamento às estruturas emocionais, Freud compreendeu que a resistência não se devia apenas aos mecanismos de fuga dos conflitos emocionais, mas trazia componentes de trabalho, de "elaboração", de preparo de novos planos de relação interpessoal, e de expressão nos cenários sociais. Como se fosse um artista, o próprio desejo procuraria criar os seus "objetos" de manifestação, os seus sentidos morais e estéticos, as suas avaliações de habilidades pessoais, segundo o "princípio da realidade", que tinham sido afetados pela ação da neurose.

3. A modificação da libido "natural" pelo aprendizado do ser

Ao seguir essa estratégia de "cura", Freud demonstrou ter a compreensão, ainda que pragmática, de que a libido não se destinava, segundo a natureza humana, a ser uma força de satisfação autêntica apenas no plano sensorial. Assim sendo, a repressão não poderia ser sempre vista como um "castigo" ou uma "frustração", nem ego, superego e id seriam antagonistas "viscerais" e eternos. Rollo May, que fez um estudo minucioso da ansiedade - O Significado de Ansiedade, causas da integração e da desintegração da personalidade -, foi um dos que começaram a romper com a "topologia" psíquica, propondo que esses 3 níveis reconhecidos por Freud não constituíam estruturas mentais, como "posturas" diferenciadas da mente, diante das questões da vida, estanques e antagônicas, mas conflitos causados por "valores e metas contraditórios que o indivíduo procura atingir ao relacionar-se no seu mundo interpessoal" (op. cit., p.150). Karen Horney é quem passa a conceber boa parte do desejo manifestado não mais como impulso biológico, mas como social e culturalmente determinado. Para essa autora, é a interação social que "chama" o desejo, pois é a experiência sócio-cultural que desperta a ansiedade. Freud, apesar de trabalhar com a libido "humanizada" e "sociabilizada" pela sublimação,  não chegou a "relativizar" em seu esquema teórico o "jogo" psíquico do ego, superego e o id, pois, o detalhe "novo" a ser proposto, e certamente isto já foi feito, posteriormente, por dezenas de outros observadores, analistas e leitores, mesmo de modo imperceptível, é que a libido pode se satisfazer também com a sublimação. Por isto ela é "humana". A libido como força natural abstrata e "não histórica" (sincrônica e não diacrônica), elaborada "a priori" e fora do trajeto de relações pessoais do indivíduo, é que fez parte de uma proposição de caráter orgânico-funcionalista, não obstante se aproxime bastante do comportamento psicológico. Em outras palavras, o esquema freudiano não deveria ser visto como fato estrutural, mas sim como esquema teórico, como arquitetura de papéis, como formação semiótica e ideológica das bases mentais, mas não como natureza impositiva e obrigatória. O problema é que a libido como força orgânica nos humanos "renasce" no ser agora formado pela sociedade, através da representação ideológica-lingüística, então a libido não é mais puramente "animal". Ela também "aprendeu a falar". Ela aprende junto com a totalidade do "ser".

NOVO Embora Freud não tenha chegado a tal enunciado teórico, ele a praticou em sua experiência, mas coube a Kurt Goldstein desenvolver essa idéia, elaborada nos anos de trabalho com feridos de guerra, que apresentavam graves lesões cerebrais. Cuidando desses pacientes e acompanhando a sua recuperação psicológica, Goldstein chegou à conclusão de que a repressão da libido não causaria ansiedade neurótica, desde que o indivíduo integral efetivamente sentisse, compreendesse que estava manifestando a "tendência para realizar a sua própria natureza". Portanto, a partir das observações de Goldstein, viu-se que não era obrigatório o conflito entre o organismo biológico e seu desenvolvimento psicológico, e que não era inevitável no ser humano dividir-se entre a "felicidade" de um e a "felicidade" de outro. Mais do que isso, tal gênero de sublimação trazia felicidade e satisfação sinceras para o indivíduo ("júbilo"). Essa visão existencial e cultural do ser, divergindo do fisiologismo mecanicista, foi fundamental para o desenvolvimento ulterior da Psicanálise, nos estudos de Erich Fromm e Karen Horney (op.cit., May, 1977, p.70/73; p.154, rodapé). RETORNA

4. A humanização ou "objetificação" afetiva da sexualidade

É justamente essa complexidade psicológica do ser, a interpenetração das funções básicas da psychê, a relativização ou fluidez das "estruturas" da mente, que permitiu a Freud organizar o método da Psicanálise. Então, novamente ele "usou" esse conhecimento intuitivo em sua clínica, e chegou a comentar sobre ela em suas conferências, quando dizia que o método não tinha uma certeza matemática, que a cura não era garantida, nem se desfazia a neurose automaticamente, por mágica, após se expor os conflitos. Ao afirmar que o método psicanalítico agia por uma boa dose de "sugestão" de soluções, para os problemas dos pacientes, ele está indicando que o seu próprio esquema teórico precisa ser assimilado ou aplicado com muita cautela, observando sempre as respostas do paciente. Por isso a sua terapêutica era na verdade um diálogo, em que o esquema psicanalítico agiria como orientador sistemático, mas não como "dispositivo" de "exatidão científica", certeiro e infalível.

Os relacionamentos materno e paterno, os agudos conflitos psicológicos dos recém-nascidos e das crianças pequenas, as paixões da mais tenra infância, as fantasias lúdicas, eles nascem da energia sexual mas rapidamente se associam às imagens afetivas, ou simplesmente se perderiam, dispersariam, e o ser ficaria indefinido, provavelmente o organismo morreria. Portanto, essa intensa energia vital da "espécie", a libido, já está desde o início associada à formação afetiva, quer dizer, o "sexual" não significa exclusivamente "físico", embora, não possa e nem queira abrir mão das suas pulsões "orgânicas".

A sexualidade não deveria, então, restringir-se à economia de repressão, satisfação ou sublimação. O termo "sexualidade", ou "libido" não deveria designar uma força apenas "sexual", como convencionalmente se diz, para exprimir uma força de origem corpórea e de fruição orgânica, "esquecendo-se" ou apagando justamente a sua pulsão afetiva, o seu caráter humano e humanizador, a constituição de vínculos afetivos e de relações com seus semelhantes, experimentando as emoções, frustrações e conflitos decorrentes desses relacionamentos, acima e primeiro de todos, com a mãe e com o pai.

5. O despertar psicológico dos recém-nascidos

Mas essa idéia do primeiro contato do neném, das primeiras experiências afetivas e sexuais com os pais (ser acolhido, ser abraçado, ser colocado no berço, ser protegido, ser socorrido, ser apresentado ao mundo e às outras pessoas, mamar, ter o corpo banhado, ter o "colo", ter as fraudas trocadas", fazer "xixi" e "cocô", ser levada para espaços diferentes, ter fome e ser alimentada, ser estimulada por brinquedos, ser o alvo da atenção, do carinho, das brincadeiras, das conversas cuidadosas, etc.) está muito "solta" ainda, na teoria psicológica. Parece ser um "evento" quase burocrático, uma "rotina" ou um "modelo para se cuidar dos bebês", e uma vida já esperada, comum a todas as crianças. A análise psicológica parece que deixou de lado o contexto "vivo" dos acontecimentos, e o seu valor real, que é muito maior e mais intenso. O fato é que a criança percebe o valor das atitudes que a cercam, e sabe discernir entre o que é "bom" ou "mal" para ela, de acordo com seu universo. Ela reconhece o privilégio com que está sendo tratada, e quer responder, quer retribuir e efetuar essas trocas amorosas. Ela passa a amar seus pais, a gostar da vida e de seus semelhantes, ou não, dependendo do ambiente que a cerca. Esse é o caminho da libido, o trajeto humanizador do instinto sexual "puro", o aprendizado "sexual". A sexualidade é o prazer que se conhece e experimenta na integridade dessas relações. As fases "oral", "anal" e "genital" foram acompanhadas de análises detalhadas de caráter humano e afetivo. Se não fosse essa apreciação humanizada da personalidade, a energia "pura", da experimentação dos prazeres corporais, desde neném, não fariam o menor sentido.

6. O início do êxtase amoroso

Embora em nível embrionário, essa extraordinária força psicológica das crianças já se expressa e se organiza, desde o primeiro dia, ou já se prepara, para uma relação amorosa, cordial e de sincera dedicação aos pais. Já se manifesta, ainda que em grau incompreensível, o juízo humano da criança a respeito dos pais: puxa, que cara legal! "ele" sabe tudo! ele me ensina! me leva a uns lugares superlegais, e está sempre perto de mim! E "ela"? pô! ela me carrega no colo, me amamenta, me dá banho, troca as minhas fraudas, fala de um modo todo especial comigo, me socorre quando eu preciso... Seria, com os níveis do conhecimento multidisciplinar atual, um descuido teórico não perceber que esse plano estava presente desde o início do desenvolvimento da criança, e que, portanto, a força vital já está enredada no universo humano desde o princípio. O prazer "egocêntrico" então não é na verdade "onipotente" e "fechado" em si mesmo, como na teoria psicanalítica original. A criança também quer agradar aos seus "interlocutores", quer se relacionar bem com eles, e o prazer maior dela é interativo, delimitado pelas percepções e expressões de um bebê, ou de um "pequeno". Por isso também as mágoas são tão doídas e devastadoras, e podem marcar alguém para o resto de sua vida. Uma dor que se pode tornar insuportável, na formação psicológica da criança, pois ela ainda está cercada de impossibilidades, e suas habilidades de resposta são muito reduzidas, diante da inadequação, indiferença ou malícia de certas atitudes. Esta é uma das vias de recalque das emoções , em rumo às neuroses.

7. Como se poderia orientar as crianças e os jovens, ou colaborar com eles?

Esse detalhe é importante quando se pretende dar uma resposta aos conflitos da infância e da adolescência, e se deseja através de ações propositivas colaborar para que crianças e jovens sejam bem-sucedidos em sua formação básica e em seu desenvolvimento. O que poderia convencê-los ou estimulá-los, acima de todas as coisas? Como direcionar a sexualidade deles? Como ajudá-los dando-lhes uma base saudável para os desafios e riscos do crescimento e do mundo? Essa resposta retorna sempre àquele ambiente positivo e construtivo que se encontra no período do nascimento, felizmente, na maioria dos casos. Aquele ambiente de alegria e de esperança que se forma, cercado também pela proteção social, quando nasce uma criança. O clima que se deseja para a criança, para a mãe e para a família deles. Dar continuidade à experiência amorosa, aos estímulos edificantes, ao desenvolvimento da auto-estima e da autoconfiança, que se fortalecem na receptividade doméstica, familiar e comunitária. Não se pode perder esse "encanto", essa generosidade do mundo, que é sempre retribuída pela criança, ou pelo cidadão, mais tarde. A sexualidade, a capacidade para lidar com os impulsos sexuais, os meios para aprender formas de sexualidade saudáveis, estão integrados ao relacionamento humano, que está no centro de tudo. Como se "educa" então, no final das contas? Através de um diálogo constante, da atenção, da humildade quando não se sabe a resposta (vamos ser solidários, vamos "não saber" juntos, vamos procurar essa resposta, e ela virá, vamos saber esperar, depois de agir).

8. O prazer humano tem base principalmente afetiva, sem prescindir do prazer sensorial

Por isso reina certa confusão nos assuntos do amor e do sexo. Há bastante desconhecimento ainda circulando as relações familiares e a constelação de experiências sociais. Porque na sociedade industrial e mediada pelos meios de comunicação de massa, os pais procuram a informação nesses "anteparos" e "instituições" sociais, e há muita desinformação atrapalhando mesmo o que seria o conhecimento mais natural e intuitivo dos pais e de seus filhos. A "sexualidade" na verdade não poderia jamais, de modo algum, ser apenas "sexual". Isto pode ser um choque, um escândalo para a ortodoxia do pensamento psicológico, se é que ele ainda persiste, mas representa uma mudança fundamental na compreensão da vida amorosa e sexual. Desde a primeira infância, a personalidade humana compreende o meio social, ainda que de modo egocêntrico, lúdico e fantasioso, de objetos "flutuantes". E o "prazer" se origina dessa interação social, e não do próprio corpo, embora reflita no corpo e "resgate" os impulsos do organismo, ou seja, a órbita social vai ressignificar as pulsões instintivas, e elas deixam de ser como tal. Passam a ser ideologicamente valorizadas, passam a fazer parte de uma linguagem em desenvolvimento no ser, e também no recém-nascido. A libido passa a ter um componente simbólico desde a vida intra-uterina, e passa a ser valor semiótico-ideológico desde o nascimento, ou a mente humana simplesmente não existiria, e não aprenderia ou se desenvolveria. O fato primordial de contato com o mundo é a gestação, o parto e a amamentação, mas isto ocorre junto com a habilidade do organismo humano para simbolizar, fantasiar e criar linguagem, ou seja, signos (valores de sentido representativo) e ideologia (valores de sentido relacional).

9. A desumanização da sexualidade (alienação afetiva-sexual)

Essa dinâmica constitutiva do ser humano requer que a educação sexual da criança, dos jovens, dos adultos e na terceira idade (esta educação também precisa ser contínua, por causa das mudanças da condição pessoal, e por causa das mudanças próprias de cada fase da vida, e ainda devido às constantes alterações do quadro cultural da sociedade) seja inseparável da educação afetiva-amorosa. Sem a democracia, sem a paz, sem um mínimo de justiça social, fica difícil manter esse ambiente de afeto e de cooperação, ou de cordialidade entre as pessoas. E sem essa experiência de vida, os valores se desprendem da consciência. A cultura passa a semear valores hedonistas (conseguir as coisas sem ter de fazer o menor esforço), individualistas e consumistas, e o próprio corpo passa a ser "coisificado" e explorado, como se fosse um objeto de prazer para as diversas "satisfações" dos sentidos, desde o visual (roupa, carros, a estética perfeita das aparências) até o estritamente sexual (a perda ou esquecimento das noções afetivas-sexuais). Então começa a se esgarçar o tecido social. O importante é "ganhar dinheiro", ter muitas "posses", conseguir muitos parceiros sexuais, quanto mais disputados, melhor. A família, o estudo, a ética, passam a ser secundários, e as alianças microssociais passam a sofrer esse desgaste. Depois, as instituições sociais começam a falir, e os atores sociais começam a falhar, degradando o cenário social, e os cidadãos comuns vêem-se impotentes para fazer frente a essas tendências, pois elas partem justamente das áreas organizadas da sociedade. Então, somente a discussão, a crítica, o protesto, a reação de várias maneiras, consegue, aos poucos, reverter o agravamento dessa crise ética e moral. Mas a base humana remonta às concepções essenciais dos indivíduos, em suas mentes, quando "desligaram" de seu pensamento o vínculo entre sexualidade e afetividade. Por isso, finalmente, a sociedade precisa recolocar em pauta a discussão sobre a formação das pessoas, seu caráter, suas escolhas, e o que as está influenciando a agir de um jeito e não de outro.

10. O retorno ao debate

Depois de se esclarecer, reparar ou atualizar as imagens e conceitos da sexualidade, neste contexto pós-industrial globalizado, é que se pode então reiniciar a análise e a discussão dos graves problemas de sexualidade que estão ocorrendo na sociedade contemporânea.

 

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